Você já montou um quebra-cabeças daqueles de 5mil peças? Já procurou constelações no céu carregado de pontinhos minúsculos e brilhantes durante horas a fio? Na fazenda da minha avó essas são as diversões principais de muitas das nossas noites.
No quebra-cabeça sempre tem uma hora em que falta uma peça tal que não deixa a coisa fluir. Fica todo mundo em silêncio, em volta daquela mesa enorme, olhando aquela paisagem desfalcada procurando entre mil e oitencentos e quatro pecinhas verdes claras aquela que tem a nevezinha quase invisivel num canto e que vai encaixar perfeitamente no comecinho do alpe. Todo mundo concentrado, procurando, procurando, tentando encaixar uma lateral quadrada em outra triangular, tendo a certeza que aquela peça que não encaixa tinha que encaixar. Até que aquele primo menor que ninguém tava dando bola vai lá e pum. Encaixa a tal peça perfeitamente.
Tentar identificar uma constelação num céu escandalosamente estrelado é quase praticamente impossível. A menos que, como eu, você tenha um tio que possui não apenas conhecimento da causa como, um mapa do céu! Estamos todos ali, olhando para aquele azul escuro sem fim, pontilhado de brilhos de todos os tamanhos e intensidades enquanto esse tio fica apontando aquilo tudo e dizendo: ali ó, o rabo do dragão, estão vendo? A ponta da flecha, viram? Olhem o escorpião! (onde pooooorraaaa!) As 3 Marias? Ahhhhhhhhhh, sim tio, eu vi! Tô vendo. Então, a terceira maria da esquerda pra direita está há duas estrelas de distência da primeira gota do aquário.
Tanto a nevezinha do alpe do quebra-cabeças de mil peças quanto a terceira maria no céu estrelado tem um papel fundamental na nossa existência, ambas são pontos de estrangulamento. Ou por outro lado, de alargamento.
Quando você fica extremamente focado na falta de alguma coisa aquilo torna-se uma obssessão. Sem o seu consentimento você fica tão preenchido pela ausência daquilo que não abre espaço para que a tal coisa possa realmente aparecer.
De repente algo acontece, a coisa surge, alguém te mostra, ela aparece. Todo um mundo novo acontece pra você. O que estava estrangulado, agora está escancarado numa peça de quebra-cabeças, numa pontinha de estrela, numa conexão com a internet.
Os primos dão risada. Os tios ficam fascinados. Você extasia um pouco. Mil janelinhas do messenger, as janelas do windows, uma janela gigante pro mundo, a janela infinita da vida.
Seja pra ajudar a achar a estrela ou a peça do quebra-cabeça a gente precisa de gente que conhece a gente pra gente se reconhecer e lembrar quem, na verdade, a gente é.
Do outro lado do telefone, da tela, da rua ou do planeta a terceira maria é a gota do aquário, a peça com a nevinha é a única que encaixa e a internet me aproxima de quase tudo que o oceano me separa.
Sat Nam ;)
2 comentários:
Não imagino quem seja, não conheço, mas saiba que tem estilo. Sua maneira de falar o que há pra dizer encanta. Adorei. Uma amiga me indicou seu blog e agora me deu vontade de fazer um. Já...
Muitos pensamentos em comum e opiniões partilhadas. Vontade de ler tudo de uma só vez.
Percebi que também gostas então;
“ Tudo atrás do pensamento. Se tudo isso existe, então eu sou. Mas porque esse mal estar? É porque não estou vivendo do único modo que existe para cada um de se viver e nem sei qual é desconfortável. Não me sinto bem. Não sei o que é que há, mas alguma coisa está errada e dá mal estar. No entanto estou sendo franca e meu jogo é limpo. Abro o jogo, só não conto os fatos da minha vida, sou secreta por natureza. O que há então? Só sei que não quero a impostura, recuso-me. Eu me aprofundei, mas não acredito em mim porque meu pensamento é inventado.” Clarice Lispector – Água Viva.
Valeu pela leitura agradável.
beijo
Menina lôka
O nego aê de cima me indicou seu blog, que delícia poder me enxergar nos seus textos. Estou encantada, tens o dom da escrita, me cutuca, me instiga, me faz querer ler sem parar.Estou fuçando por aqui e me perdendo nas horas...
Parabéns pra ti, viciei!
até
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