24.3.09

A boneca

A boneca que ela tinha, mas que aquela não. Um príncipio de questionamento. Um começo de príncipios. Próprios.

A boneca que um dia não mais falou com ela. E cadê ela? Onde é que ela está? A boneca que tem hoje um semblante esquecido, uma importância remota, uma lembrança sensorial.

Como se fosse um broche, um sabor antigo, um velho perfume conhecido. Como se fosse antiga, mas ainda morna, entre as delongas do caminho.

A boneca que ela um dia foi quase obrigada a vender justamente para aquela que nunca poderia ter. Doeu. Fudeu. Ela não soube.

Hoje não tem boneca, nem pra ela, nem pra aquela, mas o acalento de um sussurro fantasioso ainda guarda num cantinho da emoção, não apenas a boneca, mas o fato de que ela tinha e aquela não.

A boneca que ela tinha e aquela não.

Sat Nam ;)

18.3.09

Substâncias de sobrevivência

Passava da metade do dia quando ela se deu conta da quantidade de substantivos a sua volta. Compulsivamente começou a distribuir-lhes artigos: o computador, a parede, o diário, a escrivaninha. 

Notou então, que alguns estavam no plural: os livros, os papéis, as dúvidas. As horas. Apesar de que o tempo, composto por tantos momentos, é singular. E não volta.

Pegou na mão o copo, mais da metade cheio. E percebeu que sem adjetivos, os substantivos são nada além de um emaranhado de letras sequenciadas e palavras mornas soltas em contextos crus.

Foi para cozinha e enquanto mirabolava finalidades paras seus sujeitos, inventava uma química nova, um predicado diferente, uma batata com azeite e sal.

Desse modo, pegou o prato branco e quadrado, preencheu-o com tenras folhas verdes, salpicou qualquer coisa de um sutil tempero e adicionou ao cenário um delicioso filé de salmão defumado.

As cores que poetizam os objetos. As formas que formalizam os atos. Ação. Verbos.

Como pode esquecer deles? A atitude de fazer. Ser. Estar. Acontecer. Ir. Ficar. Voltar. Permanecer. Pensar. Nascer. Morrer. Continuar. Lutar. Viver. Amar.

Saboreou as descobertas sintáticas sem a antiga morfologia pedagógica tão imposta pelas aulas de português e mastigou a cada garfada todos os substantivos adjetivados e os verbos que a levavam a realmente executar qualquer que fosse a intenção.

Limpou a boca com um guardanapo lilás, a cor do espírito, e ultrapassando a métrica, rimou o detergente com a buchinha e lavou as louças num balé singelo. As mãos acariciando os substratos  que haviam posto fim ao seu desejo através dos adjetivos alterados por calor, cores e testuras do que agora fazia parte de sua constituição física.

Não havia mais a fome. Porém, uma ansiedade enorme em devorar as entrelinhas do mundo.

Existir é um conjunto de sujeitos, verbos e objetos. Adjetivos, substantivos e complementos que ligam redes de sentimentos, expressam emoções e relatam sonorada a vida, tão extraodinariamente incompreendida, em aliterações melódicas que se contrapõe.

Viver é mastigar uma pratada de substancias concretas por dia e passar a noite fazendo a digestão emocional das consequencias abstradas de tudo o que foi engolido.

Sat Nam ;)

15.3.09

Here comes the sun

Tá, burlei o fim. Eu sempre burlo os nãos, sempre enchergo os sins, mais cedo ou mais tarde. Enfim...que seja um novo começo.

É que ninguém sabe o real valor da primavera sem ter atravessado um verdadeiro inverno. Todo mundo sabe os efeitos de um raio de sol na pele, mas quase ninguém encherga os resultados deste mesmo raio no coração.

Eu tenho certeza absoluta de que os Beatles compuseram "Here comes the sun" num dia como hoje.

Aliás, enteder os garotos de Liverpool morando em Londres faz muito sentido e ouvi-los andando por Londres, é o próprio conceito da palavra "sentido", sentido na pele. Na alma, no ouvido.

Hoje o dia fez sentido. Em todos os sentidos. Um domingo super bem sentido. Sinto muito. Sinto tanto. Sinto mais do que cabe em mim.

Enfim...sem fim. Que seja um novo começo, outro senão, mais um sim.

Assim.

E não me peça pra explicar, porque eu simplesmente morreria se alguém me entedesse.

A sorte que eu quero não é a de um amor tranquilo. Eu quero a sorte é de um amor cúmplice. Na curva, na reta, na real, na lata.

Nas quatro estações do ano. 

Só o que é vero resiste ao tempo e ao clima. Que está mudando. No mundo todo. Mas isto é outro assunto. 

Sat Nam ;) 

4.3.09

Fim

Minhas metáforas andam secas. A inspiração não me dá mais sentido. Eu achei que dizia algo, mas no fundo apenas repetia tudo. Em releituras de sentimentos espalhados, em abreviaturas de sentimentos já vividos. Eu achava que dizia algo, mas apenas repetia tudo. Como repito agora, num pensar desestruturado em que me perco entro óbvio indefinido. Não fui. Não sou. Serei? Sobram controvérsias e ruas sem saída. 
E eu que achava que inventava um jeito, uma linha umas palavras, apenas copiava tudo, de um caderno secreto, que agora ficou mudo. Minhas metáforas não são minhas, nem são meus os sentimentos. As emoções comprei pela internet e o que tem de espontâneo cortei e colei do google.
Escrever é uma sina. Seria um dom, se eu tivesse. Seria um talento, se eu soubesse. Mas é uma sina, pois eu só parafraseio. Finjo que vem de mim, embora esbarre toda e cada vez no meu espelho a me dizer que minhas entrelinhas são infantis, que meu escrever é piegas, que nada disso tem motivo.
Castigo. Castigo ter necessidade de dizer, gritar letrado e não se fazer ouvido. Castigo não ser original, não ser nada demais, ser normal.
Queria saber de amor, de vida, de solidão, em prosa, em verso, em poesia. Mas não sei nem fazer refrão. Revolução. Reciclagem.
Quem me dera saber entender naquele grau sublime de deixar que seja. Porém não compreendo, não aprendo, não deixo estar.

Não vou mais escrever. Minhas metáforas são bestas, meus versos vazios e meu escrito é tão tosco...agora entendo porque não é lido.

Eu não digo. Repito tudo. Sou uma maritaca bebada com a cabeça pintada de mercúrio cromo, vendida na beira de uma estrada da Bahia a preço de papagaio.

Sem mais.