28.6.11

Um trem pro inferno

Ninguém merece metrô no calor.

Andar pelos intestinos da cidade sabendo que o sol lateja lá fora seria já um castigo. Mas é pior. É um trem pro inferno. Se Dante tivesse vivido no nosso tempo teria certamente substituído sua barca por um destes trens lotado e sem ar condicionado.

Enquanto toda a gente se encostava, se esbarrando, se apertando e se irritando adentra o vagão intransitável um homem - com seus 30 e poucos - tocando seu acordeón. Só podia ser brincadeira.

Mas não era. Junto com ele estavam um menino de uns 9 anos balançando um copinho para esmolas e uma mulher - lá pelos seus 20 e tantos - adivinha? Grávida, óbvio.

Uma cena comum. Um metrô comum. Uma família imigrante comum. Um calor absurdo. Uma realidade absurda.

De onde vieram? Porque? Que espécie de vida merece ser trocada pela opção de viver tocando acordeón num trem pro inferno?

Tentei imaginar se teriam deixado pra trás a Bulgária, Romênia ou Sérvia. Tentei imaginar se teriam deixado pra trás toda a família, muitos amigos, um pedaço de dignidade ou qualquer resto de esperança. Tentei imaginar qualquer coisa que completasse a pena que sentia por aquela cena, por todas as cenas como estas. Por tantas e tantas e tantas destas escolhas.

Porém, encontrei um sentimento mais justo.

Estes três, assim como os tantos norte-africanos e os tantos tantos tantos outros migrantes e imigrantes, deixam pra trás o medo e ousam a tentativa de lutar por uma vida melhor numa realidade na qual morrer de calor no metrô é uma oportunidade.


Sat Nam ;)



7.4.11

Bye Bye London

Entro mais uma vez uma vez naquele trem apertadinho. A Jubilee line tem cheiro de melissinha nova. Os Beatles cantam Let It Be. Uma negra de unhas enormes e brilhantes chupa barulhentamente o canudinho do seu frappe do Starbucks. Um homem braquelo muito compenetradamente lê um livro que não consigo ver a capa. Um hermano, maybe da Venezuela, Chile ou Equador, dorme pesado com a cabeça encostada no vidro, provavelmente depois de um longo domingo de trabalho. Uma senhora de cabelos acinzentados faz palavras cruzadas. Um casal de namorados namorica. Um grupo de japoneses entra e sai tirando fotos. Em London Bridge o trem enche, uma mulher com um carrinho de bebê, um bebê que dorme. Em Green Park deixo todos eles pra trás e vou subindo a escada enquanto o Keane susurra que ‘Everybody is changing and I can’t feel the same’. Embora eu sinta a mudança brusca que me espera, ainda que o estado de ansiedade me poupe de realizá-la completamente. Um grupo de adolescentes italianos fala alto e interrepompe o caminho enquanto os guias tentam se achar com o mapa do tube na mão. Excuse me, please. Deixem o lado esquerdo pra quem tem pressa. I am sorry about that. (But I am not. Not really. Not deep inside). Me apresso em chupar Londres até o caroço. Mas não se apresse – respire – em ser tão estressado como tudo nesta terra em que até as nuvens correm e os minutos duram apenas 30 segundos. Alanis me pergunta se isso não é irônico e em frente ao mesmo Ritz em que Julia Roberts e Hugh Grant fazem aquela cena de ‘Nothing Hill’ espero pelo 19. De Fisbury Park a Battersea. Do segundo andar do bus vejo toda gente que se atropela com suas umbrellas, tentando se livrar da chuvinha-estraga-cabelo. O Hide Park joga charme pros ciclistas, e, principalemente, pras mulheres que pedalam de salto-alto. Na frente da embaixada da Libia a calçada está vazia, apenas alguns carros da Polícia e um cartaz meio rasgado escrito qualquer coisa da qual só consigo ler freedom. Freedom. A próxima estação é Knightsbridge. Viramos antes da Harrods. Sloane Road e toda a alta costura Italiana se esfrega na minha cara. Até parece um presságio. Acaba de dar 6 da tarde e o volume de gente na rua triplica. Já não consigo distinguir personagens na massa semi-humana que se move amorfa em passos corridos, quase desesperados. I’ve got the right to be wrong, vai gritando a Joss Stone, and I don’t wanna be another brick in the wall – e a fabrica do Pink Floyd, ali, meio de lado na minha janela, todo o dia me lembra disso - enquanto no contorno de Sloane Square avisto um pub já lotado. Gente engravatada, ternos em tons de cinza, barras curtas pra escapar das poças, gravatas cor-de-rosa, lilás, azulzinha. Pint. Shot. Shot. Shot. Tudo pra deixar a frieza de lado e expressar algo que seja. Entramos na King’s Road e acho fantástica a quantidade de gente que enfia o terninho na mochila, se transforma em atleta e vai pra casa na versao maratonista. Força de vontade, au-au. Uma em cada 2 pessoas está ao telefone. Falando alto, falando sozinho, falando-ouvindo. O som da sirene atravessa o fone, ardido. Belle and Sebastian invadem o shuffle cantando alguma coisa que desconheço, mas fazendo efeito trilha-sonora com a voz rouca que se harmoniza a minha pré-nostalgia. Já tenho muuuuuuuuita saudade de Londres. Mas não da massa amorfa. Quando voltei do Laos, me liguei que tenho muito mais dó daquela gente zumbizenta que se aperta pra entrar em Vitoria station as 8:30 da manhã do que daquela gente que vive com menos de um dólar ao dia, mas pelo menos não tem que esmagar a cara no vidro de um vagão claustrofóbico nos intestinos de uma cidade cinza. Beaufort Street. Pára o ônibus que eu quero descer, quero comprar água e digestives no Tesco, quatro latinhas de fosters e humus com cenoura. Fish and Chips, definitely maybe. Vou caminhando e cantando e sentindo o Ground Control pro Major Tom. O sol, numa de suas 15 aparições anuais na cidade, interpreta uma saída triunfante. Paro na Battersea Bridge e contemplo seu reflexo no belo Tâmisa, mare cheia, enquanto as pessoas correm, pedalam, dirigem, passeiam com o cachorro, carregam sacolas, caminham, vivem…busy. Sinto no rosto toque do vento chilli que não abandona esta ilha nem mesmo no verão e calculo que existe uma vibração maternal, uma coisa meio uterina do elemento água que circunda, embeleza e dá leveza e fluidez pra esta cidade tão forte. A correnteza do Tâmisa passa e a vida se afirma com ela. É a certeza de uma saída no meio da selva de tijolinho a vista. Ainda que a retirada nunca aconteça. Atravesso a ponte, agredeço Buda que se faz vizinho na pagoda do Battersea Park. Ahhhhh, o Battersea Park! Vou sentir saudade dele. O céu agora está de um pink inédito, meio alaranjado, pincelado de tons violeta. E o major Tom diz que Planet Earth is Blue and there is nothing he can do. And there is nothing I can doooooooooo. As daphadales sorriem trazendo a primavera ainda que se esforçando pra que o vento não as depedace. As cerejeiras parecem cobertas de neve. As flores, tantas flores que eu não sei o nome…cores de almodóvar, cores de Frida Kalo, cores. Adriana Calcanhoto invade minha bye bye London playlist…e eu vejo tudo enquadrado. Entro mais uma vez em casa e o cheiro de home sweet home vem do perfume de pasta ao pesto. Seria um outro presságio? Remoto controle…

Sat Nam ;)

6.12.10

Reciclando o Mundo

Em 2011 desejo que a gente entre pro grupo de gente que tá mudando o mundo pra melhor!

Quando falo de mudar o mundo não falo em mudar o mundo que a gente vê na tv, que a gente lê por aí. Falo em mudar o mundo que a gente encontra todo dia quando abre o olho. Quando fecha o olho. Principalmente quando fecha o olho.

Todas as pessoas que mudaram alguma coisa pra melhor, tinham uma urgência em salvar-se. Gandhi resolveu mudar o mundo quando foi vítima do preconceito do Apharteid. Anne Frank resolveu mudar o mundo quando foi privada do acesso a ele.

Tantos músicos, artistas, poetas, mudam o mundo apenas tendo necessidade de expressar toda a confusão mental do seu infinito particular.

Tanta gente todo dia muda o mundo quando dá um sorriso que ninguém espera, quando agradece quem te serve, quando respira fundo antes de revidar uma fechada no transito.

Tanta gente muda o mundo o tempo todo quando desliga a tv e vai ler, quando desliga a discussão e pede desculpa, quando desliga o foda-se e reflete.

Tanta gente muda o tempo todo no mundo e assim, o mundo muda.

Mudar o mundo começa aceitando que tudo é relativo, que os conceitos mais enraigaidos de nossa existência são, na verdade, ilusão e até mesmo o sistema como a gente acredita pode sim ser desconstruído como instituíção monetária cristalizada e reinventado com um foco na admnistração consciente dos recursos do planeta.

Tanta gente muda o mundo quando questiona, ousa, age. Ou quando simplesmente cala e encara o barulho de seu próprio silêncio.

Tanta gente muda o mundo agindo com respeito, justiça, cidadania.

A real é que tudo muda impreterivelmente o tempo todo. Inclusive o mundo. E, ainda que não positivamente, a gente muda o mundo a todo instante. Com o lixo que a gente joga, a água que a gente gasta no banho, a fumaça que sai do escapamento do nosso carro, a eletricidade que recarrega agora a bateria do meu computador.

A real é que a gente muda o mundo todo dia por que de fato a gente gasta o mundo todo dia.

Não seria bem razoável se nos preocupássemos simplesmente em reciclar o mundo?

A gente não destrói nossa casa um pouco todo dia. Se queima uma lâmpada, a gente repõe, se o chão tá sujo, a gente passa aspirador, se a cama tá desarrumada, a gente arruma.

Então por que cargas d 'agua a gente deveria continuar vivendo sem admnistrar o planeta da forma que ele deve ser administrado: como a nossa casa, que ele é!

Não é o governo. Chega de governo. quem é governo? Go o que? Somos nós. Um pouquinho de cada vez.

Gandhi não conseguiu a independência da Índia em um dia. Anne Frank não viveu pra ver o mundo mais justo que ela sonhava.

Pra mudar o mundo é preciso viver com alegria o caminho tracejado da mudança. Não esperando o fim, mas encontrando a plenitude no meio.

É hora de mudar o mundo de forma consciente. Um passo por dia.

Hoje o você começa a seprar seu lixo, amanhã pesquisa uma lâmpada mais econômica. Daqui quinze dias passa a comprar o sabão em pó que é biodegradável.

Depois cria o hábito de ler nas embalagens dos produtos se eles são justos. Como são fabricados, de onde vem, quem é a mão de obra?

Com o tempo não conseguiremos mais comprar ou usar nada neste mundo que não saibamos de onde vem, o que causa e pra onde vai. É quase óbvio, não?!

E nessa hora, passaremos a entender que a maior contribuição que Gandhi, Anne Frank, os artistas e os heróis deram para a humanidade foi, é, e continua sendo seu exemplo, que nos inspira constantemente a reciclar o nosso mundo.

Que é o todo, que é o uno. Dentro e fora. Sempre. Impermanentemente.

Recicle seu modo de viver, re-aproveite o mundo!

Sat Nam ;)


24.7.10

Fear of the dark

Por um instante estaneio. Cansei de ser mim. Esse medo que não me larga. Medo de tudo. Medo do todo. Medo de ser. Medo de existir, de não acontecer. Medo de inserir qualquer coisa que não faça. Medo de ter medo, já amedrontada. Tomada. Coração disparado na madrugada. Destes medos que crescem na escuridão. Medo do escuro. Dominada. Medo do tempo, da vida. De crescer e de não ser. Medo que seca a garganta, dói a alma, angústia. Medo que este medo não passe. Que ele seja meu pra sempre. Que ele seja a maior parte de mim.
No espelho o brilho do olho sumiu um pouco. Afoga tudo na cerveja que passa um pouco. Bebe pra esquecer o medo, ficar coragem. Lembrar dessa força que tá em algum lugar, afogada em lágrimas. Ainda que em volta tudo seja calma, a tempestade do centro da terra do plexo solar borbulha. Ou nem. Opaca tudo num eco surdo. Num brilho fosco. Num dia cinza. Ainda que faça sol. O que é isso que não faz parte do contexto, dos planos, da retórica? Um verso de fora, um raio aleatório, um fluxo invertido que transtorna o instante, que vira fase, fatiga.
Medo de ir. Medo de ficar. Medo de escrever e o que os outros vão achar. Logo eu?! Medo deste ser, de estar. De permanecer sem realizar. Medo que assombra, que assola, que abraça. Medo que medo causa, que medo causa? Que medo? Que causa?

Por um instante penso em Platão. Mas acho que é hora de um Prozac.

Sobra um vazio entre o peito e o umbigo. Falta fé? Tem tudo o quer e não tem paz. Capaz.

Estaneio...espero que passe.

Sat Nam ;)