Passava da metade do dia quando ela se deu conta da quantidade de substantivos a sua volta. Compulsivamente começou a distribuir-lhes artigos: o computador, a parede, o diário, a escrivaninha.
Notou então, que alguns estavam no plural: os livros, os papéis, as dúvidas. As horas. Apesar de que o tempo, composto por tantos momentos, é singular. E não volta.
Pegou na mão o copo, mais da metade cheio. E percebeu que sem adjetivos, os substantivos são nada além de um emaranhado de letras sequenciadas e palavras mornas soltas em contextos crus.
Foi para cozinha e enquanto mirabolava finalidades paras seus sujeitos, inventava uma química nova, um predicado diferente, uma batata com azeite e sal.
Desse modo, pegou o prato branco e quadrado, preencheu-o com tenras folhas verdes, salpicou qualquer coisa de um sutil tempero e adicionou ao cenário um delicioso filé de salmão defumado.
As cores que poetizam os objetos. As formas que formalizam os atos. Ação. Verbos.
Como pode esquecer deles? A atitude de fazer. Ser. Estar. Acontecer. Ir. Ficar. Voltar. Permanecer. Pensar. Nascer. Morrer. Continuar. Lutar. Viver. Amar.
Saboreou as descobertas sintáticas sem a antiga morfologia pedagógica tão imposta pelas aulas de português e mastigou a cada garfada todos os substantivos adjetivados e os verbos que a levavam a realmente executar qualquer que fosse a intenção.
Limpou a boca com um guardanapo lilás, a cor do espírito, e ultrapassando a métrica, rimou o detergente com a buchinha e lavou as louças num balé singelo. As mãos acariciando os substratos que haviam posto fim ao seu desejo através dos adjetivos alterados por calor, cores e testuras do que agora fazia parte de sua constituição física.
Não havia mais a fome. Porém, uma ansiedade enorme em devorar as entrelinhas do mundo.
Existir é um conjunto de sujeitos, verbos e objetos. Adjetivos, substantivos e complementos que ligam redes de sentimentos, expressam emoções e relatam sonorada a vida, tão extraodinariamente incompreendida, em aliterações melódicas que se contrapõe.
Viver é mastigar uma pratada de substancias concretas por dia e passar a noite fazendo a digestão emocional das consequencias abstradas de tudo o que foi engolido.
Sat Nam ;)
Um comentário:
linda!!
que poética...
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